quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Abraço

Sentado no carro agarro o portátil e os papeis espalhados pelo banco, levanto o olhar para a porta da tua casa, num suspiro de aborrecimento e falso acesso de vontade, saio a correr, com a chuva no meu encalço.

Perco três ou quatro folhas para a chuva e vento, enquanto procuro habitualmente as chaves perdidas num dos mil bolsos que pareço ter.

Finalmente a salvo, subo as escadas sacudindo a àgua do casaco e tentando salvar as folhas que me restavam.

Mecanicamente enfio a chave na porta, entro em tua casa com a secreta esperança que estejas logo ali, esperando que percebas, que sintas o que estou a precisar.

As chaves voam para a cómoda, procuro-te com o olhar sem sucesso, tenho saudades da tua voz, do teu olhar, mas não é isso que eu preciso, preciso de algo mais simples. Poiso o portátil na sala, os papeis na mesa e o casaco no bengaleiro, calço os chinelos e fecho os olhos no sofá numa tentativa vã de relaxar e esquecer.

Um barulho desperta-me, esfrego os olhos e arrasto-me dali, procurando a fonte do barulho...

sorrio...

... és tu, olhas-me rapidamente uma vez e sorris, páras, olhas-me uma segunda vez, com mais calma e percebes... e é tão bom que percebas, é tão bom receber um daqueles abraços, bons, fortes, daqueles em que sinto que posso desmontar-me em mil peças porque tu vais estar sempre aí, a segurar em todas elas.

Um teu abraço.

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Soundtrack: Carlos Paredes - Canto de embalar

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Sobre o invisível poder da saudade.

Normalmente ando distraída. Passo pelos dias com aquela indiferente indiferença com que se passa por páginas de um livro que ainda não se fez nosso.
Um a seguir ao outro, tenho aprendido que viver é apenas um diminutivo de sobreviver, que alguém mais preguiçoso adoptou.
Mas hoje é diferente. Conscientemente, tomo nota mental de que é sempre diferente, e sou apenas eu que teimo em não reparar.
Hoje acordei cansada. Mais do que o costume. Acordei com vontade de não acordar. Passei a noite a ouvir-te falar. Aliás, se bem te lembras, passámos a noite a conversar. Amena cavaqueira a nossa que me transporta sempre para deliciosos cantos e encantos de mim mesma. Sabes, só contigo os consigo descobrir.
Mas agora que acordei, ainda cansada do tanto que falámos, não te encontro em lado nenhum. Olho à volta e não te vejo. Procuro na sala, nas escadas, em qualquer recanto que te possa tapar a existência. Mas nada. De ti, nem sombra.
Só então penso que talvez tenha sonhado. Mas não. Não pode ter sido, tenho a certeza de ter falado contigo.
Lavadas as impurezas com que nos escondemos diariamente, saio de casa e levo os olhos ao céu. Baixinho, em suaves sussurros, chamo por ti. A medo, confesso. Talvez com vergonha de que alguém me oiça.
Nada. Nem um leve murmúrio…um “estou aqui” ou um teu tão típico “estou a ir”.
Não percebo. O céu continua azul, os pássaros continuam a chilrear. Tu não estás, mas o mundo continua insolentemente a girar.
Com veemência continuo a chamar-te. Então? Não me ouves?
O desespero anunciado começa a juntar-se ao desânimo e a enfraquecer a minha tímida voz. Nesta altura já me dói a garganta. Já não te chamo com a mesma energia. Não consigo, desculpa.
Ao fim de algum tempo começo a chorar. Sem forças, cansada, sinto-me triste e sozinha. Abandono-me a essa saudade aflitiva que gosta de me fazer pirraça e de me consumir a serenidade em resmas de ansiedade.
E só então, quando me sinto prestes a desistir, e porque talvez seja sempre assim, apareces. De repente, sei que estás aqui, comigo.
Não me podias deixar desistir. Não tu, que nunca desistias de nada nem de ninguém. O teu sorriso ilumina todas as minhas incertezas e lava rapidamente todos os meus receios. De repente tudo passa a fazer sentido. Os dias já não me são indiferentes. A tua presença faz parte de mim.
O sossego toma conta de mim e o meu coração faz as pazes com a minha alma.
Agora consigo perceber…não foste tu que desapareceste ou demoraste, mas sim eu que me deixei consumir pela impaciência, aquela que chegou cedo e que não me permitiu perceber que já aqui estavas. Sempre estiveste.
Talvez devesse ter acordado antes e começado logo a chamar. Mas tu, com essa invejável clarividência, explicas-me que tudo tem um tempo certo. Este é o meu. Aqui, agora.
Vou chamar sempre por ti. As vezes que forem precisas. Sei que virás. No fundo, sei que estás sempre aí, a um sopro de distância. Ou nem isso…afinal, no coração não há distâncias. Mas também sei que chamar-te me mantém intacta a racionalidade.
Chamei-te. Tu vieste. Obrigada por conseguires partilhar esses rasgos de serenidade, tão necessários para se aprender a viver com a saudade.
Não há nada maior que a saudade. Nem o mar, nem o céu. Mas isso tu sabes melhor que eu. Também tu és maior que tudo.
Sabes, só a tua constante presença me permite sorrir. Talvez por isso goste tanto de o fazer.
Adoro-te. Sempre.

Para a Vera. 7 anos, 5 dias, inúmeras horas e incontáveis segundos desde que te foste embora. Mas ainda aqui estás, bem sei.

Soundtrack: A tua gargalhada.

Edição de fotografia: Paulo

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Para a depressão da pressa, a calma de um calmante.

Não gosto de andar depressa. Nunca gostei.
Não há como saborear calmamente as variações do que nos rodeia. Serenamente, que o caminho só se faz uma vez.
Não gosto de andar depressa.
De outro modo, como poderia ter percebido que aquela pedra que agasalha a terra na minha rua estava solta? Quem me teria relatado o modo delicado como aquele galho, do velho carvalho que dobra a esquina, se dobra numa suave vénia carinhosa para a janela da Dona Celeste, aquela menina outrora pequena que ao velho carvalho soprou todas as amarguras típicas da tão plena juventude? Teria eu notado as diferentes tonalidades do magistral jogo de luzes oferecido pelo sol? O sorriso doce daquela criança com que ontem me cruzei?
Não gosto de andar depressa. A única pressa que eu tenho, é de te ver. E se bem me lembro, devagar se vai ao longe.

Soundtrack: Macy Gray - Slowly

Edição de fotografia: Paulo