domingo, 8 de fevereiro de 2009

Sobre o invisível poder da saudade.

Normalmente ando distraída. Passo pelos dias com aquela indiferente indiferença com que se passa por páginas de um livro que ainda não se fez nosso.
Um a seguir ao outro, tenho aprendido que viver é apenas um diminutivo de sobreviver, que alguém mais preguiçoso adoptou.
Mas hoje é diferente. Conscientemente, tomo nota mental de que é sempre diferente, e sou apenas eu que teimo em não reparar.
Hoje acordei cansada. Mais do que o costume. Acordei com vontade de não acordar. Passei a noite a ouvir-te falar. Aliás, se bem te lembras, passámos a noite a conversar. Amena cavaqueira a nossa que me transporta sempre para deliciosos cantos e encantos de mim mesma. Sabes, só contigo os consigo descobrir.
Mas agora que acordei, ainda cansada do tanto que falámos, não te encontro em lado nenhum. Olho à volta e não te vejo. Procuro na sala, nas escadas, em qualquer recanto que te possa tapar a existência. Mas nada. De ti, nem sombra.
Só então penso que talvez tenha sonhado. Mas não. Não pode ter sido, tenho a certeza de ter falado contigo.
Lavadas as impurezas com que nos escondemos diariamente, saio de casa e levo os olhos ao céu. Baixinho, em suaves sussurros, chamo por ti. A medo, confesso. Talvez com vergonha de que alguém me oiça.
Nada. Nem um leve murmúrio…um “estou aqui” ou um teu tão típico “estou a ir”.
Não percebo. O céu continua azul, os pássaros continuam a chilrear. Tu não estás, mas o mundo continua insolentemente a girar.
Com veemência continuo a chamar-te. Então? Não me ouves?
O desespero anunciado começa a juntar-se ao desânimo e a enfraquecer a minha tímida voz. Nesta altura já me dói a garganta. Já não te chamo com a mesma energia. Não consigo, desculpa.
Ao fim de algum tempo começo a chorar. Sem forças, cansada, sinto-me triste e sozinha. Abandono-me a essa saudade aflitiva que gosta de me fazer pirraça e de me consumir a serenidade em resmas de ansiedade.
E só então, quando me sinto prestes a desistir, e porque talvez seja sempre assim, apareces. De repente, sei que estás aqui, comigo.
Não me podias deixar desistir. Não tu, que nunca desistias de nada nem de ninguém. O teu sorriso ilumina todas as minhas incertezas e lava rapidamente todos os meus receios. De repente tudo passa a fazer sentido. Os dias já não me são indiferentes. A tua presença faz parte de mim.
O sossego toma conta de mim e o meu coração faz as pazes com a minha alma.
Agora consigo perceber…não foste tu que desapareceste ou demoraste, mas sim eu que me deixei consumir pela impaciência, aquela que chegou cedo e que não me permitiu perceber que já aqui estavas. Sempre estiveste.
Talvez devesse ter acordado antes e começado logo a chamar. Mas tu, com essa invejável clarividência, explicas-me que tudo tem um tempo certo. Este é o meu. Aqui, agora.
Vou chamar sempre por ti. As vezes que forem precisas. Sei que virás. No fundo, sei que estás sempre aí, a um sopro de distância. Ou nem isso…afinal, no coração não há distâncias. Mas também sei que chamar-te me mantém intacta a racionalidade.
Chamei-te. Tu vieste. Obrigada por conseguires partilhar esses rasgos de serenidade, tão necessários para se aprender a viver com a saudade.
Não há nada maior que a saudade. Nem o mar, nem o céu. Mas isso tu sabes melhor que eu. Também tu és maior que tudo.
Sabes, só a tua constante presença me permite sorrir. Talvez por isso goste tanto de o fazer.
Adoro-te. Sempre.

Para a Vera. 7 anos, 5 dias, inúmeras horas e incontáveis segundos desde que te foste embora. Mas ainda aqui estás, bem sei.

Soundtrack: A tua gargalhada.

Edição de fotografia: Paulo

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